sábado, março 28, 2009

27 de Março de 1976

Naquele dia foi oficial: as tropas sul-africanas tinham abandonado Angola e, embora tenham ficado estacionadas mesmo ali na fronteira, a poucos quilómetros de Santa Clara e do outro lado das quedas do Ruacaná, para nós foi dia de festa. "A guerra tinha acabado" - foi-nos dito em comício popular na praça que então se chamava " da República".

O Lubango vivia momentos de euforia, de reconstrução, de azáfama, de reorganização. Os operários dos Caminhos de Ferro de Moçamedes (CFM) ajudavam os agricultores, fazendo peças para os tractores avariados, noutras fábricas substituia-se o obsoleto sistema de capatazia por métodos de responsabilização na organização da produção.

Quando, a 18 de Fevereiro tínhamos chegado à cidade, no primeiro voo que partiu de Luanda, muitos de nós não contiveram as lágrimas à vista de uma cidade meia destruída. Os retirantes partiram tudo quanto puderam. Os últimos foram os homens da UNITA, já sob a pressão das tropas cubanas, mas à frente dos "bravos" Mucubais comandados pelo Farrusco, que, naquele dia de 18 de Fevereiro nos recebeu no aeroporto num jeep com uma enorme bandeira vermelha que drapejava fortemente ao vento.

Para muitos de nós - para mim, inclusivé - a guerra tinha terminado naquele dia. Depois foi o arregaçar de mangas: ajudar na reorganização da produção, pôr de pé a Faculdade de Letras, refundar a Rádio Popular de Angola, criar o jornal " A Luta Continua", acorrer aos variados chamamentos, alguns dos quais de madrugada, porque um grupo de "faplas" tinha resolvido fazer das suas.

De Fevereiro de 1976 a Março do mesmo ano muitas coisas aconteceram naquela cidade, cinclusivamente a instalação de uma intriga forte, uma espécie de veneno trazido de Luanda. A Comissão Política da Huíla começou a integrar gente que não se percebia donde vinha. De um dia para o outro, percebi que o único elemento que tinha legitimidade democrática, porque eleito na primeira Assembleia Geral de militantes do MPLA era eu.

E eu não tinha tempo para a intriga e passei a ser olhado, primeiro, como a consciência do grupo. Toda a gente queria falar comigo em privado. Depois o mesmo aconteceu, quando os ministros passaram a visitar o Lubango. Mas, depois, mais tarde, era o "branco", isto é, "português".

Todavia, naquele 27 de Março não deixei de vibrar com a oficialização do "fim" da guerra. Finalmente, Angola podia reconstruir-se e cumprir metas de desenvolvimento que beneficiasse a todos.

Finalmente...

Houve comício com o velho Lúcio Lara. No seu discurso atacou sobretudo a posição de Portugal que ainda não tinha reconhecido o Estado Angolano, proclamado pelo MPLA às 00H00 de 11 de Novembro de 1975.

Emílio Braz, entretanto nomeado Comissário Provincial, também botou discurso e, no final, teve uma expressão que me alertou: " Viva o Povo N'Hanheca Humbe" - o Povo da Huíla.

Fiquei desconfiado, tanto mais que durante a sua proclamação aos presentes afirmou que toda a gente tinha que aprender a língua M'Huíla.

Alguma coisa se passava e fiquei mais atento.Pouco tempo depois concluí que o confronto entre nitistas e netistas também tinha chegado ao Lubango.

Afinal...

A guerra não tinha acabado: o MPLA ajeitava-se para uma disputa fratricida, que haveria de ter o epicentro a 27 de Maio do ano seguinte. As réplicas prolongaram-se por vários meses e custaram a vida a algumas dezenas de milhar de pessoas. Na sua maioria jovens; muitos deles tinham sido meus alunos, quer no Liceu, quer na Faculdade de Letras. Nessa altura porém já não estava no Lubango: eu também fazia parte das listas negras dos dois lados. Não teria tido salvação...

Mas, aquele 27 de Março foi dia de Alegria. Resolvemos rebaptizar a Escola Comercial e Industrial Artur de Paiva: "Escola 27 de Março", de que era directora a minha mulher, Isilda Arruda.

Naquele 27 de Março, Angola estava oficialmente livre de tropas ocupantes. Voltariam, já não de peito aberto, mas a coberto de acordos espúrios com forças angolanas que também queriam o poder absoluto , corrupto e racista, tal como o construiu o MPLA.

E eu, naquela altura, sem desconfiar ainda do que me esperava, voltei a chorar de contentamento. Finalmente... "a minha terra" estava livre.

sábado, março 14, 2009

Portugal/Angola - Bom Senso Só Ajuda

A recente visita de José Eduardo dos Santos a Lisboa em programa encurtado no tempo mas muito expressiva nos objectivos anunciados, trouxe para a ribalta o actual movimento de migração para Angola.
Os jornais angolanos anteciparam a análise a esse movimento e valerá a pena ler com atenção o modo como alguns deles - pelo menos o "Angolense" - o abordam .
Na sua edição de 21 a 27 de Fevereiro deste ano, em texto assinado pelo seu director geral, Graça Campos, o "Angolense" , numa prosa supostamente humorística, aproxima-se do ódio racista contra aqueles que estão a tentar viajar para Angola, partindo do princípio que todos os que fazem as filas às portas do Consulado de Angola em Alcântara, são portugueses.
"Ó Shô Manel, A Bida Está Difícil?" interroga Graça Campos em título para uma fotografia tirada por um telemóvel e em que verifica a existência de uma fila grande de pessoas. A legenda desta fotografia chega a ser grotesca.
Muitos deles serão mesmo angolanos, ou terão nascido em Angola. Podem muito bem ser filhos ou netos daqueles outros portugueses que fizeram fila para - já lá vão mais de trinta anos- fugirem às ameaças, reais ou insinuadas, de que a cor da pele poderia ser um problema. E foi!
Os portugueses foram saindo, em várias levas, de Angola, provocando o vazio e uma paragem no processo de desenvolvimento económico - que em 1974 era dos maiores de África.
Alguns dos "retirantes" foram importantes na luta pela independência, mas, mesmo assim, tiveram que abandonar a "sua terra" e procurar um exílio em terra de brancos.
Ao fazer piada (de mau gosto) com o título: "Ó Shô...", Graça Campos está a cometer um erro que eu classificaria de má fé porque ele sabe - tem de saber - que os candidatos a ir para (ou a) Angola nada têm a ver com os colonos típicos dos anos 50 e 60. Estes representam gente habilitada, com capacidade para ajudar o projecto de reconstrução do país. E talvez até tenham nos genes a capacidade de ganhar amor à terra que vão ajudar a reconstruir e ter um comportamento diferente daqueles outros a quem GC chama de "mãos de vaca".
E quem são os mãos de vaca?
São as grandes empresas portuguesas, sobretudo de construção civil, Soares da Costa, Mota/Engil e Teixeira Duarte, que - diz GC - apesar dos "fabulosos lucros" foram, até agora, incapazes de uma acção de filantropia, como por exemplo doarem um "lote de medicamentos a um Hospital Pediátrico".
A propósito destas empresas, GC diz que "em bom português o que os tugas fazem no nosso país chama-se rapina".
E desta afirmação violenta e como quem não quer a coisa vai falando na atitude das grandes empresas portuguesas relativamente ao apoio aos órgãos da comunicação social angolana: não se vê um único anúncio delas. E não se fica por aqui, faz a comparação com as grandes empresas brasileiras.
Espero que haja em Portugal e em Angola alguém que tenha capacidade para analisar este texto e dar-lhe a devida importância, porque, se por um lado, é injusto e racista, raiando quase o ódio em relação aos homens e mulheres das filas do Consulado de Alcântara, não deixa de ter razão quanto ao comportamento das grandes empresas, algumas das quais estão em Angola mesmo antes da Independência e continuam com a mesma política de não partilhar. Eu acho que são mesmo mãos de vaca.
Mas, a verdade é que se o são têm coniventes -não é verdade GC? - os corruptos com quem eles contam para obter as vitórias nos concursos. Quanto à publicidade: as empresas portuguesas acham que devem trabalhar em África em segredo - basta-lhes distribuir umas gasosas, nomeadamente por aqueles que noutras épocas não aceitaram o amor dos brancos pela Terra Angolana. Nos outros países a estratégia é a mesma: "o segredo é a alma do negócio". Para quê fazer publicidade?
A visita do chefe de Estado de Angola a Lisboa terá sido positiva para ambos os lados, mas "cautelas caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém", pelo que me parece não se dever descurar um certo bom senso no desenvolvimento das relações entre os que chegam e os que estão. As contradições são muitas e elas estão bem patentes no texto do Director Geral do "Angolense"

sexta-feira, março 13, 2009

Prémio Dardos



A autora do blogue Diadema de Angola atribuiu o prémio Dardos a este blogue, porque, segundo ela, cumprimos com os pressupostos contidos nas condições de tal distinção:Com o Prémio Dardos reconhecem-se os valores que cada blogger emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc. que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras. Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os bloggers, uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web.


Aqui ficam os nossos agradecimentos pela distinção.

terça-feira, março 03, 2009

Em Memória de Paulo Correia e Muitas outras vítimas


Foi Há mais de vinte anos - 17 de Julho de 1986 - que escrevi esta primeira página do Jornal "África". Tardou, mas, finalmente, aconteceu.