A propósito das grandes dificuldades que a educação enfrenta um pouco por todo o Mundo, um dia destes, em conversa com um amigo, lembrei-me de uma prática do Colégio Alexandre Herculano do Huambo (Nova Lisboa) de há muitos anos - ainda as respectivas instalações eram na cidade baixa.
O Colégio era dirigido pelos padres espiritanos e a disciplina era uma das suas preocupações, embora, tanto quanto me recordo, se respirasse um clima descontraído. Todavia, regras eram regras e, por exemplo, só os mais velhos podiam sair uma vez por semana do internato para ir ao cinema. Os mais pequenos, só às matinés de domingo, para o que necessitavam de uma autorização dos pais.
Mas os filmes que excitavam as imaginações dos adolescentes e pré-adolescentes passavam à noite.
Ora, normalmente, os mais velhos não tinham dinheiro, as mesadas que as famílias mandavam desapareciam rápidamente, mas os mais novos tinham mesmo alguma dificuldade para gastar o que lhes chegava de casa, pelo que alguém - nunca se saberá quem - inventou um verdadeiro bom negócio, já que servia ambas as partes; os mais novos emprestavam aos mais velhos o dinheiro necessário para que eles fossem ver os tais filmes. No dia seguinte, como contra-partida do empréstimo, os devedores contavam aos credores o filme - o que acontecia durante os intervalos das aulas.
Era um espectáculo presenciar as voltas que dois a dois (um mais velho e um mais novo) davam ao campo de futebol do Colégio. Alguns mais exuberantes, paravam, de vez em quando, imitavam os gestos do que se supunham ser os personagens dos filmes. Estes passeios duravam, às vezes, todos os intervalos dos trabalhos escolares e em alguns casos, prolongavam-se durante as horas dedicadas ao desporto.
Houve um dos mais velhos - e também mais esperto - que tentou modificar o negócio inicial: um dos que fosse ao cinema contava aos "miúdos", em conjunto, a estória do filme.
Não!!! disseram os mais novos. Exigiam uma narrativa personalizada: a quem emprestassem o dinheiro tinha a obrigação de contar o filme. E alguns deles não emprestavam a todos; escolhiam aquele com mais imaginação para a reprodução da estória.
Olhando para trás, não podemos deixar de constatar que o Mundo, sendo mais simples, era também mais feliz. Os problemas da educação ainda se resolviam dentro das escolas e , às vezes, de forma imaginativa, sem necessidade de grandes tecnologias, que fomentam a solidão, as depressões, a competição desenfreada.
Naquele ambiente, que hoje não conseguimos classificar, mas que é motivo de saudade para quem o viveu, cresceu gente de que muito nos orgulhamos hoje. Por exemplo, o António Segadães, fez parte destes grupos (não sei se emprestava ou recebia), mas não deixa de ser, hoje , uma das figuras que mais orgulha uma geração de estudantes de papel, sebenta e grande espírito de solidariedade. Muitos outros andam por aí, mas, hoje lembrei-me deste, do engenheiro português mais laureado de todos os tempos.