sábado, outubro 13, 2007

O 27 de Maio em Angola

As edições ASA lançaram no dia 27 de Sembro, em Lisboa, na Sociedade de Geografia um livro assinado por Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, com o título "Purga em Angola - Nito Alves, Sita Valles, Zé Van Dunem o 27 de Maio de 1977".



Estive lá, comprei o livro, já o li.



Já exprimi muitas vezes a minha opinião sobre o que aconteceu a seguir à tentativa de golpe de estado do 27 de Maio. Já verberei, inclusivé, que se tente branquear a imagem de Agostinho Neto, falando dos seus escritos - poemas incluídos - para fazer esquecer a sua prática política, marcada pela ignorância, pela soberba, arrogância e pelo institnto sanguinário que o foi acompanhando ao longo da sua carreira política - Hoji Ya Henda, Deolinda Rodrigues, Gika e outros, além das tentativas frustradas de se ver livre de adversários políticos - e que culminou com um massacre indiscriminado num contra-golpe autenticamente fascista.



Este livro apresenta, todavia, apenas um lado de toda esta trama política e cobre a tentativa efectiva de golpe de estado levada a cabo por um grupo organizado em torno de Nito Alves.

Eu fui testemunha presencial de muitos acontecimentos anteriores ao 27 de Maio que já denunciavam as reais intenções de Nito,tendo inclusivé, sentido a necessidade de fugir de Angola perante a inevitabilidade de um confronto entre os dois blocos. Ganhasse quem ganhasse o meu fim engrossaria o número dos que agora se contam.



Nito Alves e a sua gente, organizada sobretudo no interior da JMPLA, já tinham tomado o poder político e, em alguns casos, militar, em grande parte das Províncias. Por exemplo, na Huíla, cuja capital, o Lubango, foi local de encontro para vários dos conspiradores. Monstro Imortal encontrou-se várias vezes com o Comandante da Frente Sul, o major Evady, que, mais tarde conseguiu sacudir o labéu de "nitista" e veio a ser Comissário da Província.



Na Huíla esteve também José Eduardo dos Santos, exactamente no dia 27, em casa de um parente, o então Comissário Provincial, Belarmino Van Dunem. A fazer o quê?



O Comandante da CPPA ( Polícia de Segurança), em 1976, um tal Comandante Martinho, natural de Malange e nitista, fez todas as barbaridades possíveis. Foi ele que inaugurou a célebre e tétrica prática de jogar gente na Fenda da Tundavala.

Mandava fazer rusgas na casa dos brancos, de madrugada. Um dia mandou chicotear um colono, nos testículos, o Velho Maximino Borges, por ter encontrado numa sua mala, uma bandeira portuguesa.



Numa outra altura mandou prender um jornalista da então Rádio Popular, que eu tinha criado, e durante toda a noite os seus lacaios espancaram o Celso apenas porque ele trabalhava na Rádio Popular.




Logo a seguir escrevi um texto no jornal " A Luta Continua", que eu também tinha criado, denunciando a ocorrência. Suponho que o tal comandante era analfabeto... mas em Luanda havia muita gente letrada e o jornal que saía às quartas no Lubango, chegava a Luanda às quintas de manhã e logo esgotava, porque nessa altura já se vivia sob a tutebla de um dos mais violentos educadores do povo - este netista - Costa Andrade, o N'Dunduma - director do Jornal de Angola e que só permitia escritos a louvar o partido.


Depois que cheguei ao Lubango, em Fevereiro de 1976, fiz um enorme esforço em todas as áreas onde podia ajudar e mesmo naquelas onde os meus conhecimentos não eram assimm tantos.

Uma das coisas que fiz foi enviar informação via rádio - uma tarefa que me ocupava horas - para o Jornal de Angola.


Ora, eu não lia o que era publicado e quando, mais tarde, fui a Luanda fiquei surpreendido com o que "tinha escrito". N'Dunduma e os seus lacaios retalharam-me completmente os textos e chegaram a negar afirmações minhas ou a afirmar negações escritas por mim.


Quando tentei falar com ele para lhe chamar, no mínimo, fascista, não me recebeu. Era um senhor muito importante...


Afinal, os diversos conflitos pseudo-políticos que ocorriam nessa altura em Angola resumiam-se a um facto muito simples: os vários grupos do MPLA, quando chegaram a Angola ficaram surpreendidos com o que encontraram e elegeram como principais inimigos os que tinham construído aquele país que eles não entendiam. Para eles Angola ainda era a mesma de 1950.
De resto, isso ainda acontece hoje: os construtores de Angola, que o MPLA destruiu em apenas dois anos são os verdadeiros inimigos dos dirigentes aburguesados e ignorantes de Angola.
Mas não só: também são mal vistos em Portugal.
Sempre que se fala de algum assunto mais ou menos histórico referente a Angola, enquanto colónia, ou província ultramaria, ou o que quer que seja, nunca se pergunta nada a quem lá viveu, lutou e sofreu para construir um país que tinha condições , já em 1973, para ser , de facto, independente.
Até que apareceram os "libertadores", que como disse o Rola da Silva "se mataram uns aos outros como cães".

Entretanto, instalou-se na cidade do Lubango, bem como por todo o país, depois de , mais ou menos Maio ou Junho de 1976, um clima de verdadeiro terror, porque, no regresso de Luanda para o Lubango, depois que os sul-africanos abandonaram o território, em 27 de Março, a maior parte dos quadros do MPLA vinham doutrinados pela gente de Nito Alves. Incluia-se neste número o primeiro Comissário Provincial, Sumbo Braz, que principiou a fazer discursos racistas e regionalistas que assustavam. Um homem ponderado ficou, de repenete, desaustinado.





Tive a oportunidade de, durante a abertura do ano lectivo de 1976/77, na Faculdade de Letras do Lubango, ser duro com ele. Já estava a ficar farto de tudo.




Os nitistas tomaram o poder numa Assembleia Geral de Militantes, realizada do Auditório do ex- Rádio Clube da Huíla de uma forma perfeitamente organizada e orquestrada. Começaram por esperar pela minha entrada na sala para pedirem a minha nomeação para a mesa como secretário. Os anti-nitistas ficaram sem a sua principal arma...



Depois acusaram toda a gente de tudo, remexeram na vida privada dos dirigentes, acusando uns de incesto e outros de coisas ainda piores. No final, o único que ficou, fui eu. De resto, eu era o único que restava da primeira assembleia de militantes realizada ainda em 1974.



Não seria, todavia, pacífica a minha continuação como dirigente. Comecei a ser atacado por todos os lados. A Camarada Arlete, por exemplo, numa reunião sobre informação dissse que o jornal " A Luta Continua" não estava dirigido "às massas". Obteve como resposta uma gargalhada: " A Camarada não sabe que as massas são analfabetas?".


Tão analfabetas como o comandante da Polícia, ou como um membro do Conselho de Administração da Moagem do Venâncio Guimarães Sobrinho, do qual eu era o presidente. Um dia, descobri que ele tinha um documento ao contrário e fingia um grande esforço de compreensão da sua leitura.


Tinha sido lá colocado pelo Santos, outro nitista, delegado do Ministério da Indústria na Huíla. Claro que o mandei para um grupo de alfabetizandos...


O Livro de Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus serve como denúnica dos massacres horrorosos levados a cabo por uma chusma de sanguinários que seguiram a ordem do chefe : "não vamos perder muito tempo", mas passa completamente ao lado do contexto em que tudo ocorreu, limitando-se a falar do que aconteceu em Luanda e referindo-se ao resto do país apenas para contar os massacres. É pena, porque é mais uma oportunidade perdida.


sexta-feira, outubro 12, 2007

Amilcar Cabral - Uma Biografia






As edições "Tinta-da-China" vão lançar no dia 24 deste mês o livro "O Fazedor de Utopias, uma biografia de Amilcar Cabral", de um escritor angolano, António Tomás.


Bárbara Bulhosa, responsável pela "Tinta-da-China", teve a amabilidade de me mandar um e-mail contendo não apenas alguns elementos informativos como o próprio texto.



Fico extremamente agradecido. Não apenas a ela, mas ao António Tomás pela sua iniciativa, já que Amílcar Cabral - quanto a mim o mais lúcido e inteligente lider africano da era moderna - está há demasiado tempo esquecido. Os africanos raramente falam do seu exemplo, dos seus ensinamentos e nunca procuram neles o caminho para a solução de problemas verdadeiramente inacreditáveis - veja-se o que aconte por esta altura na Guiné Bissau, exactamente a pátria que Amílcar libertou.




Deste esquecimento são responáveis os dirigentes da Guiné Bissau para quem Amílcar tinha um "pecado original": era Cabo-verdiano.



Em Cabo Verde também há culpas deste apagamento de Amílcar. Primeiro foi o MpD que tentou apagar a sua memória, já que ela era sempre ligada ao PAICV e depois, o próprio PAICV, que, em vez de nacionalizar e mesmo internacionalizar a imagem do grande lider, fecha-a dentro das suas paredes iedológicas, num processo quase autofágico de uma memória que já devia ser considerada "património mundial".



Oxalá " O Fazedor de Utopias" recupere vigores e capacidades antigos que ajudem África a sair do pântano em que se encontra.