sexta-feira, outubro 27, 2006

O óscar Telefonou

Ontem o Óscar telefonou. Estava de passagem para a Guiné Bissau. "Era só para dar um aceno"(esta frase lembrou-me o Saraiva Coutinho, que estava sempre a acenar aos ouvintes). Fiquei contente com o telefonema do Óscar porque afinal não se esqueceu mesmo de nós.Mais: falava verdade quando me disse que tinha perdido os meus contactos.

O telefonema do Óscar fez-me lembrar aquele fabuloso ano lectivo de 1976/77 em que, apesar da guerra, todas as Escola angolanas abriram, incluindo todas as Faculdades da Universidade de Angola.

Foi nesse contexto que conheci o Óscar. Fiz discurso e tudo para, em Abril de 1976, abrir o ano lectivo na Faculdade de Letras do Lubango. Com notícia no "Jornal de Angola " e a desaprovação do então Ministro da Educação, António Jacinto. O MPLA não estava nada virado para a abertura de faculdades fora de Luanda. A pequena burguesia da capital queria tudo para eles.

O Óscar e outro(a)s luandenses subiram a Chela e foram frequentar os cursos da Faculdade de Letras.

Aos poucos foi-se transformando numa figura incontronável da Faculdade, fazendo amigos e amigas.Uma em particular, mas sempre sem demasiadas manifestações. Discretamente. E nós, os amigos dele e dela, da Bany, fomos vaticinando o casamento - o que enfurecia a futura noiva.

Ontem o Óscar telefonou e eu lembrei-me dos dois, casados há quase trinta anos, e de muitos outros, cujo paradeiro desconheço mas de quem gostaria de ter notícias.

É que montar aquela Faculdade, administrar aqueles cursos, gerir alguns conflitos graves entre professores mais ou menos baldas e imcompetentes e alunos militantes, mais da política do que do estudo, tudo isso deu muito trabalho, mas acho que compensou.

Pelo menos o Óscar ontem telefonou e prometeu que, no regresso da Guiné Bissau, se tiver tempo, dá uma saltada aqui a casa. Ficamos à espera, Óscar.

quarta-feira, outubro 18, 2006

À TOA

Sei menos do 25 do que devia. Só cheguei a Lisboa no sábado, depois do almoço. Tinha almoçado no Entroncamento, num comboio que vinha do Porto e trazia restauração de comer e nós, eu e o Baião, vinhamos de Madrid e troquei,ali, de comboio justamente para comer.
Não faz grande sentido dizer que vinhanos de Madrid. Na realidade vinhamos de Luanda, de onde saimos num avião sul-africano, que fazia escala técnica em Luanda, mas não podia admitir passageiros, nem despejá-los. Os rumores dos acontecimentos de Lisboa já eram como dado adquirido. Já se sabia que Marcelo estava no Carmo, mas ainda não se sabia que Santos e Castro já estava «indisponível». Entretanto os voos para Lisboa estavam suspensos. O aeroporto da Portela estava encerrado. Por tudo isso foi possível solicitar autorização para voar e para sair com algum dinheiro europeu. O Baião esqueceu-se do documento militar, mas até isso, vejam lá, até isso foi, ainda o 25 madrugava, ultrapassado.
Nas Canárias, outra escala técnica, comprei os primeiros jornais que li sobre o «golpe de Lisboa». De manhã, em Paris, os jornais traziam grandes parangonas sobre
o acontecimento da véspera. Ficamos a saber que o aeroporto de Lisboa continuava fechado. Optei por seguir para Madrid, onde contava poder apanhar um comboio para Lisboa ou, pelo menos, até à fronteira. Depois logo se via. Se fosse preciso passava-se de salto. Os voluntariosos portugas de Angola não se assustavam com pouco.
Claro que em Madrid nada se sabia, a não ser que comboio continuava a não ter saída prevista. O chefe da estação admitiu, que sim, que era provável que a meio da tarde já houvesse informação, mas confirmou-me o que eu queria ouvir: o comboio dessa noite iria pelo menos até à fronteira.
Atocha não era, nem pouco mais ou menos, como é hoje, Era bem mais aconchegada e não faltava onde mastigar bom presunto e engolir algumas cervejas. Convenientemente atrazado o comboio acabou por zarpar, com destino a Lisboa.
Eu fui tratar do hotel e o Baião alugar carro. Na recepção, o empregado tinha o colarinho desapertado e a gravata descida. Percebi que o País estava a mudar...
Descemos a avenida a businar e a trocar cravos com o povo frenético, que mostrava a sua intensa satisfação, aquele não era o povo que lava no rio, como Amália cantou. Cantava e ria, como se diz no hino. Cruzamos com duas ou três manifs, que engrossavam à medida que avançavam.
Não me recordo já de qual deles chegou primeiro, creio que foi Cunhal. Mário Soares terá chegado depois. Ou não? Pode ter sido ao contrário. Não estou a puxar a brasa à minha sardinha, sei que asisti à chegada do fugitivo de Peniche.Foi uma festa. Qualquer pretexto, naqueles dias, mobilizava multidões. Já não via tanta gente junta desde que Riquita chegou, coroada, a Luanda...
Vivi esses dias alucinados e fui-me espantando com o desenrolar dos acontecimentos e em especial com o que se ia dizendo. O primeiro deles a decepcionar-me foi o homem das baladas de Coimbra, que cantou Grandola, o hino da revolução. Era a linguagem crua e dura, tanto tempo silenciada, que me foi soando excessiva e me trouxe à terra. Passei a fazer o que devia: ver, ouvir e contar e deixar-me de lérias.
A liberdade expandia-se a revolução triunfava, mas num hotel, na avenida da Liberdade o director da DGS de Angola aguardava por instruções. Certamente por coincidência o colega inspector do Moçambique também estava em Lisboa. O mais curioso é que os dois regressaram aos repctivos postos de trabalho juntos. Vi os dois no aeroporto. Eu sabia que eles estavam lá e soube pelo próprio Costa Gomes, que me asseverou que as coisas no ultramar teriam que continuar como estavam até que se estabelecessem condições que permitissem estabelecer diálogo com todas as partes. Fui pedir ao «zero-zero Lopes», como lhe chamava o ex-governador Rebocho Vaz, que me levasse para Luanda textos e fotos das reportagens que estavamos a fazer. Costa Gomes emendou a mão, já em Luanda, quando Maria Virgínia lhe perguntou: «O que é que aqueles homens fazem aqui»? E o general respondeu que vinham arrumar as coisas deles e voltar para Lisboa.
Em Lisboa continuava eu e cheio de curiosidade para assistir ao primeiro primeiro de Maio pós revolução. Ver muita gente já não me impressionava; ouvir as mesmas coisas já enfastiava. Depois de descer a Alameda, deixei o Baião a fazer bonecos e abalei para o sossego de um bar. Foi aí que decidi ir ao Funchal.
Fui, fomos. Creio que já contei esta parte, que foi o grande sucesso do par de obscuros jornalistas ultramarinos, que foram de manhã à Madeira. regresaram à noite a Lisboa e traziam todas as fotos dos políticos deportados, entre os quais Marcelo e Thomaz e a sua dele encantadora esposa, graçola que o batalhão imenso de fotógrafos de todas as agências e de todos os jornais não conseguira, apesar de chegarem antes e sairem depois de nós...
Trinta e picos anos depois é que me ocorreu perguntar-me. Como é possível fazer uma revolução daquelas sem dar um tiro um só que fosse?...
Houve um tiro, sim senhor, mas foi depois, na António Maria Cardoso, à porta da DGS...

segunda-feira, outubro 16, 2006

Carlos Pacheco/António Gonçalves

Quem acompanha desde o início este blog sabe que ele nasceu de um desafio do Fernando Alves numa altura em que eu, cansado de ouvir gente a falar de um jornal que havia fundado e dirigido há anos, resolvi contar a história do "África" no "Romeiro".
Quem me desafiou à criação de um blog em que se falasse de outras Áfricas sabia que eu não lhe resistiria e lá vou dando a minha colaboração, tanto quanto o tempo deixa.
Comigo, além do Fernando, trouxe o António Gonçalves, que foi um dos chefes de redacção
do "África", mas, sobretudo, foi o esteio em que o Notícia, a mais importante revista que se publicou em espaço dominado pela língua portuguesa, até 1974, se apoiou durante muito tempo. António Gonçalves, Sousa Oliveira e outros pseudónimos que ele usou, foram colegas de Herberto Helder, José Sebag e outros.
O António tem um património pesssoal vivido na profissão de jornalista absolutamente inigualável e tem-nos brindado, no seu jeito sarcástico, único, com a narrativa de alguns episódios importantes também para a História de Portugal, também para a História de Angola.
Mas, o António não se propõe fazer História - ele apenas contas estórias. Que podem ser, evidentemente, pistas para quem quer fazer História. E algumas delas são muito fáceis de seguir.
O Carlos Pacheco - que há mais de um ano me pediu informações sobre determinadas circunstâncias, um pedido que satisfiz na hora sem nunca ter recebido sequer a indicação de que tinha recebido a minha mensagem -vem agora quase como que exigir ao António Gonçalves que seja mais claro.
O António saberá muito bem respoder a esta questão - felizmente ele não precisa de terceiros para o defender - , mas eu não posso deixar de dizer ao Carlos Pacheco que se porte como um verdadeiro historiador e siga as pistas de alguém que apenas quer voltar a fazer o que sempre fez com um enorme prazer : escrever.
Este blog segue as regras da deontologia profissional que sempre regeu a actividade profissional dos três jornalistas que o fazem, mas aqui, neste espaço, não temos patrão.
Desculpa, lá, António, mas os donos das nossas cabeças, dos nossos escritos, dos nossos sonhos...não cabem na nossa mesa. A propósito, agora, quando voltares de Paris ,vamos reunir o Conselho de Redacção naquela tasca, quase restaurante, lá para o Cais do Sodré. O Fernando fica, por esta via, convocado.

domingo, outubro 15, 2006

SINAIS

Estar na aldeia e não ver as casas aconteceu-me algumas vezes. Tapar o Sol com a peneira só funciona com quem estiver, no mínimo, ensonado. Hoje sei que andei muitas vezes a «dormir na forma».
Quando, com o Quim Cabral, fui à Guiné, Salazar já tinha tombado da cadeira e, por isso, encontrei em Bissau o prof. Caetano, Marcelo de seu nome, que estava de partida para Luanda .
Cheguei ali imbuido da «minha importância» porque o Comando Militar em Luanda não só acedera a dar-nos boleia em avião militar, como desviara o aparelho da rota pelo Sal para nos depositar direitinhos na capital guineense.
Quem não esteve presente durante a visita do Presidente do Conselho (lembram-se? Era assim que se chamava ao primeiro-ministro!) foi o coronel (ou coisa assim) responsável pela Força Aérea na província. O coronel tinha ido a Cabo Verde, alegadamente para recolher a equipa de reportagem do Notícia, que se deslocava à Guiné! O «desencontro» foi glosado à mesa, ao jantar na esplanada do restaurante. Podia ser distraíradodo e não ver casas, mas as cascas das ostras, aos montes, espalhadas pelo chão da rua dos bares, cafés ou restaurantes tinham-me desvairado.
Parecia-me pelo menos tão bom como cuspir caroços de ginja para a rua, nas Portas de Santo Antão.
Na manhã seguinte Spínola ia sair. O coronel interferiu e o governador acedia a levar um de nós. Teria o fotógrafo de ir só, mas o helio voltou a poisar, desceu um elemento da segurança e
juntei-me ao Quim. O general queria conversa e evidência. Um par de «terroristas» tinha sido capturado por um grupo militar que fazia uma operação de rotina. E era nisso que consistia a deslocação do general, pensei eu. O duo ia carregado de material escolar: pequenos livros e cadernos destinados ao ensino a garotos, e era constituído por um homem, com as mãos amarradas atrás das costas e uma mulher. O guerrilheiro estava visivelmente asustado, mas a dama infundia respeito pelo porte. Olhou-nos com fria indiferença e nem respondeu aos bons dias! Spínola olhou o material escolar, folheando os manuais também com indiferença e ninguém se ralou quando eu escolhi três ou quatro exemplares e os guardei. Eram giros e feitos com gosto.
Dali o general rumou para um amplo quartel, bem no meio do mato e quase silencioso. Spínola falou com o comandante e com um ou outro dos oficiais. Nada de muito cerimonioso. Depois um almoço razoavelmente frugal.
Só percebi porque se dera Spínola ao incómodo de nos levar ali, quando o «nosso» coronel me revelou que o contingente militar aquartelado estava todo de castigo há mais de um mês, à espera de regressar a casa, na «metrópole», por ter terminado a comissão. O incidente que gerou o castigo teve a ver com uma falha de vigilância, que terá posto em causa a segurança de quartel.
Levei também o meu tempo a perceber os porquês da relação cordial com o coronel aviador, que voltei a encontrar, em Nampula, uns anitos depois, quando visitei Moçambique para recolher material para um caderno especial sobre a «província». Um "breefing" alucinante sobre a situação militar. Aterrador. A guerra estava praticamente perdida. «Aquilo» não fazia sentido, sobretudo dito por militares a jornalistas, numa sala reservada.
Dei-me ao cuidado de convidar o coronel para almoçar e confrontei-o. Ele não reagiu, não comentou nem respondeu. Limitou-se a vago aceno de impotência e mudou de assunto, passando a contar-me uma graçola: os jovens oficiais tinham convencido o comandante a ir a Lisboa candidatar-se à presidência, que toda a gente e todos os militares estavam a contar com ele. O sujeito veio mesmo a Lisboa e foi alvo de chacota.
Senti-me baralhado e fui com o Baião para a Ilha de Moçambique, regalar a vista e aconchegar o estômago. O que aquilo era bonito e tranquilo! Com militares de lá, que fui sondando, nada de preocupante parecia estar a acontecer. Nada que se comparasse com Angola; ali o clima era de guerra e havia confrontos, com baixas dos dois lados, mas sem impacte nas populações urbanas.
Alguns meses depois o «meu» coronel era um dos nomes sonantes do Conselho da Revolução.
Chegou atrasado à fotografia, porque no 25 ainda estava em Moçambique, mas o lugar era já dele. Eu tinha tido os sinais. Estive na aldeia e não soube ver as casas. Creio que o coronel, ele também, acabou por se perder na aldeia,tal como outro galvanizado general, outro dos que deu barraca...
Que a coisa vinha de trás parece agora não haver dúvidas. Não terá sido por acaso que a PIDE baixou para DGS e ficou tranquilamente a ver passar os comboios. Sem esquecer que Marcelo
«deixou» Tomás ir à Televisão mostrar-se e ser mostrado, como já o fizera antes ao augusto António, o da Estrela...
Haveria provavelmente duas paralelas. De qual delas seria a coluna que saiu das Caldas e não chegou à calçada do Carriche? E qual delas pensou Marcelo que chegou ao Terreiro do Paço?

Eu dormia tranquilamente em Luanda e já confessei que não vi as casas. Foi um amigo que me telefonou de Joanesburgo quem me alertou. O governador também deve ter sido surpreendido ao descobrir que estava na paralela errada. Também tinha tido um sinal: tinha detectado algo
confusionista no chefe das FA de Angola e pedira ao irmão, militar, que governava o Quanza Sul, que apurasse qualquer coisa. O futuro candidato da AD a Belém tranquilizou o mano do governador. Convirá, talvez, sublinhar que, num desses entretantos, Costa Gomes esteve em Luanda, em plena vigência da brigada do reumático e pode ter confundido o antigo director
de um campo de prisioneiros políticos, no sul de Angola, atraindo-o para uma das paralelas.
São muitas coincidências.
A aldeia sempre lá esteve. Onde diabo se escondiam as casas? Por experiência própria posso assegurar que o pior cego não é afinal o que não quer ver, mas o que não sabe ver. Se isto é admitir que sou burro, que posso fazer...

terça-feira, outubro 10, 2006

REMOER NO MOLHADO

...E no 4 de Fevereiro, pela manhã, abalei de férias. Deixei Angola inteira para o sr. Agostinho que ia chegar ao princípio da tarde. A minha fé no novo país esvaíra-se. Os garotos estavam fora de Angola. Lisboa exultava de liberdade. Otelo não era mais aquele tímido militar que conheci em Lusaka: chefiava o Copcon. O Copcon afigurou-se-me depressa uma sorte de polícia política fardada. Actuavam um pouco ao jeito da polícia dos automóveis: na dúvida disparavam, depois logo se via.O primeiro-ministro era também um militar irrisório e um político desastrado.Ao tempo, aquela guerra não era minha. Estava de férias. Apaixonei-me e pratiquei uma porção de loucuras saudáveis. Pelo meio ia mandando umas bocas para Luanda sobre o que ia acontecendo por cá. A propósito de incidentes que se geraram por mór da ocupação dita selvagem de uma casa devoluta, por trabalhadores carenciados gerou uma notícia, publicada em Luanda, sob o título «Copcon o novo medo». Foi como que o azar dos Távoras. O Notícia foi encerrado, o director preso e remetido para Lisboa, para a Trafaria, para ser mais exacto. Nunca foi ouvido, nem acusado. Simplesmente preso. E eu chamado a Luanda, na presunção de que o semanário retomaria a normalidade. Mas não. Por acaso o Sousa Oliveira não existia, era pseudónimo. mas era ele o segundo nome da lista de expulsões. Claro que o que fechou a revista não foi o fait divers, mas a independência face aos poderes políticos, quer os do MFA, quer os dos três movimentos ditos de libertação.
Tive que me pôr a recato, mas dessa vez não regressei a Lisboa. Passadas semanas, o assunto esmoreceu e eu entrei para a «Província de Angola». O matutino tinha sido praticamente entregue à FNLA. A Emissora Oficial era controlada pelos esquerdistas de esquerda, tão de esquerda que por vezes o MPLA até se zangava com eles. Mudei o nome ao pasquim e ainda hoje estou grato ao país por ter mantido o nome que escolhi: «Jornal de Angola». Claro que a linha é outra e o jornal pontua a política do governo.
Depois do Alvor e já com a independência à vista ainda houve uma tentativa de pacificação entre os três movimentos angolanos, em Nakuru, cidade natal de Jomo Keniatta, no Quénia. Deu em nada. O inevitável confronto explodiu em Luanda, de onde o MPLA expulsou UNITA e FNLA.
Holden Roberto instalou-se no Ambriz; Savimbi, no Huambo. A chegada dos cubanos a Novo Redondo evidenciava claramente que a questão angolana entrava noutro domínio: o Ocidente e o Leste assumiam-se como partes interessadas, através de terceiros. A África do Sul apoiava a Unita; o Zaire, a FNLA. «Dissidentes» portugueses, inseguros em África, que não se identificavam com as opções do 25 de Abril, distribuiam-se pelas diversas frentes, mas de um modo geral todos se foram distanciando, quer do lado progressista, quer do conservador. Tropas zairotas entraram em acção apoiando (e comandando) as operações, mas desmotivando o grupo português de ex-comandos, entre os quais um prestigiado coronel, que não entendia a estratégia zairenses, que se saldou por um fisco de todo o tamanho, acabando por uma fuga desordenada, mas saqueando todas as fazendas pelo caminho. Chegaram a largar armamento militar, para arrecadar máquinas de costura ou de lavar roupa.
A Sul as coisas passaram~se de modo semelhante, ainda que se deva salientar que a força sul-africana nunca se misturou com os combatentes da Unita, também eles muito atraídos pelos bens alheios. O governo do Huambo foi sol de pouca dura. Enquanto do lado sul-africano foi posssível avançar até Benguela e depois prosseguir até Porto Amboim.
Em Luanda, por essa altura, havia natural preocupação. O esforço militar concentrava-se no morro a norte de Luanda para suster o avanço dos zairenses da FNLA, mas perante a pouca resistência em Benguela, a solução foi dinamitar a ponte novinha sobre o Quanza e ficar à espera.
Por essa altura alguns dos operacionais lusitanos progressistas sentiu necessidade de visitar a família no enclave (Portugal, na gíria local). Vim encontrar, mais tarde, dois deles a trabalhar na Renascença...
Inesperadamente a ofensiva pelo norte fracassou. Como os zairenses não sabiam recuar, preferiram fugir de uma guerra que não era deles, ala que se faz tarde, causando um efeito de castelo de cartas. No sul, os sul africanos desistiram e foram para casa. Os guerrilheiros da Unita ficaram sem apoio e sem comando. Do Huambo o governo esfumou-se. Na Huila a Unita chegou a vias de facto com a FNLA, que se sumiu. Mais a norte, Holden retornava a Kinshasa, A FNLA desaparecia de cena. Sem americanos a dar ordens e pagar a factura, Mobutu desinteressava-se.
Savimbi consolava-se por ter ganho a guerra dele. Agora ou ele ou nada. Os sul africanos sentiam que o apharteid não podia aceitar outro regime socialista à porta. Precisava de Savimbi.
Mas o camarada do pai socialista europeu e do filho idem, não tinha muito com que ajudar e o apharteid, uma forma repelente de fascismo, o qual, como se viu, ruiu antes do próprio Savimbi
dar a alma ao criador.
Isto é «o linhas gerais», ficam por ampliar pormenores, daqueles que se agarram à memória, pedaços da história por fazer. Até já...

quarta-feira, outubro 04, 2006

MEMÓRIA DE TEMPOS PERDIDOS/2


Podia começar por explicar que o Mundo é pequeno, se tal constituisse alguma novidade. O Mundo é como é e as surpresas só surpreendem quem sonha ser surpreendido. Um E-mail de Nova Iorque, de Manel Ricardo,alertava-me: «Estás muito bonito, hoje (domingo), no Diário de Notícias». Não compro jornais ao domingo, nem nos outros dias em que são mais caros, mas tinha lido a crónica sobre o segundo volume das quase memórias de Almeida Santos. Não me acrescentou muito mas deve surpreender algumas cabeças. O que eu não notei foi a foto que ilustrava o texto. Lá estava eu, barbudo e despenteado, o mais bonito que era capaz, e com uma inusitada máquina fotográfica na mão, a uns metros de Agostinho Neto e de oficiais do exército português dos quais nem me lembra os nomes.
Mas é, foi, um momento histórico, ainda em 74, no Leste de Angola, em plena floresta cerrada. O presidente do MPLA reunia com militares lusitanos para preparar a entrada e instalação do MPLA no território até então português. Dos oficiais portugueses que lá estiveram só retive o nome de Pezarat Correia que, suponho eu, já fazia parte do movimento revolucionário «25 de Abril».
Como jornalista já tinha assistido ao encontro de Mário Soares, na altura ministro dos Negócios Estrangeiros, do primeiro governo provisório, que se fez acompanhar (ou terá acompanhado?) um tímido militar: Otelo, esse mesmo, ao encontro, ia dizendo, com Samora Machel, emLusaka, mas viver aqueles instantes na mata, em Angola, foi mais empolgante. E se estava ali fiquei a dever isso, vejam lá!, a Manuel Ricardo, jovem colega do «Província de Angola», como então se chamava o matutino. A mulher chegara-me da «graciosa» na véspera e eu tinha optado por uma noite de hotel. Ao fim da tarde o convite inesperado chegava à Redacção do Notícia: o António Gonçalves é convidado a ir ao Luso.
«O António não está», avisaram «Pode ir outro?»...
«Não, não pode. Só o António Gonçalves»...
Foi o diabo para me encontrarem e foi por mero acaso que o meu director encontrou o Manel Ricardo
e lhe deu conta. Ele sabia, foi ele que nos levou, a mim e à mulher, ao Hotel.
Já no avião, rumo ao Luso, Hermínio Escórcio confirmava-me que fora dele a exigência e confirmava também que ia haver encontro com líder histórico. Foi por isso que eu «apareci» de máquina fotográfica na mão.
O problema foi, depois de um segundo percurso de helicóptero, ficarmos quase a cem metros de distáncia da tenda montada no meio da clareira, onde já estavam os oficais portugueses e a delegação do MPLA. Os repórteres queixavam-se de que não podiam ver, nem ouvir, mas os militares de guarda não deixavam ninguém ultrapassar a corda.
Havia um «deles», no entanto, que se passeava junto da tenda e de vez em quando espreitava e depois continuava a patinhar, batedo uma chapa aqui e ali. Mas esse eu conhecia. Era «célebre».
Fora da vez em que fui, com o Baião, a Lusaka e, claro, procuramos encontrar os supostos refugiados políticos do MPLA. As autoridades locais não aceitaram o termo «guerrilheiros»!
Foi assim que conheci Iko Carreira e outros cujos nomes já não me ocorrem, entre os quais o heroi-fotógrafo. Abatera um helióptero na mata, quando estava escondido no topo de uma
árvore. O aparelho voou na sua direcção, a rasar as copas. Assustado disparou e nem sabe como
nem porquê a ameaça voadora espatifou-se no solo.
Aos herois não se levantam obstáculos. Pedi-lhe que me levasse a máquina e me fizesse alguns bonecos. Depois foi simples. A reunião acabou e os repórteres puderam ver e ouvir o que uns e outros quiseram dizer. Eram tempos de esperança, mas adivinhava-se que três movimentos hostis entre si era muita fruta, demasiados galos para um poleiro.
Desde então começou a ouvir-se martelar pregos nos caixotes. Não ia haver saídas pela esquerda alta. Mas levamos algum tempo para perceber isso...

terça-feira, outubro 03, 2006

Soares e Mandela

Ontem, no canal 5 , lá estavam o Mário Crespo e Mário Soares. A Falar de Nelson Mandela. Utilizando os adjectivos tolerância, compreensão e outros do género, Soares concluiu em relação a Mandela - e muito bem - que este homem marcou uma época.
Não consegui deixar de comparar o discurso de há alguns dias de Soares a propósito de Savimbi, a quem louvava e considerava uma espécie de herói nacional, exactamente com os adjectivos contrários.
Vá-se lá entender!